Introdução

A entorse de tornozelo é uma das lesões mais comuns em atividades esportivas e na vida cotidiana. Ocorre, geralmente, ao torcer ou girar o pé de maneira abrupta, resultando no estiramento ou ruptura dos ligamentos que sustentam a articulação do tornozelo.

Neste post, abordaremos a anatomia dos ligamentos mais comumente afetados, as mudanças observadas no exame clínico, os critérios para a realização de radiografias e os principais métodos de tratamento, com destaque para as técnicas fisioterapêuticas que auxiliam na recuperação e quando considerar exames como a ressonância magnética (RM) para confirmação do diagnóstico.

Anatomia dos Ligamentos do Tornozelo

A estabilidade do tornozelo é garantida por três grupos principais de ligamentos: ligamento talofibular anterior (LTA), ligamento calcaneofibular (LCF) e ligamento talofibular posterior (LTP). O LTA é o mais comumente lesado nas entorses de tornozelo, principalmente em entorses por inversão. Esses ligamentos estabilizam a articulação tibiofibular e mantêm o alinhamento adequado entre o talus e o calcâneo, limitando movimentos exagerados que podem levar à instabilidade.

Ligamentos Afetados Comumente:

  • Ligamento Talofibular Anterior (LTA): mais suscetível a lesões devido à posição e ao movimento de inversão.
  • Ligamento Calcaneofibular (LCF): frequentemente lesionado em entorses mais graves que envolvem uma rotação do tornozelo.
  • Ligamento Talofibular Posterior (LTP): menos frequentemente lesionado, mas também importante para estabilidade.

Exame Clínico na Entorse de Tornozelo

Durante o exame clínico, o médico avalia o grau da lesão através de palpação e manobras específicas para testar a integridade dos ligamentos. As principais alterações observadas incluem:

  • Inchaço e hematoma: O edema localizado e a presença de hematomas indicam o local e a gravidade da lesão.
  • Dor localizada: A dor ao longo do ligamento afetado sugere ruptura ou estiramento.
  • Limitação de movimento: A amplitude de movimento é reduzida devido ao inchaço e dor.
  • Testes específicos: O teste de gaveta anterior avalia a estabilidade do ligamento talofibular anterior, enquanto o teste de inclinação do talus é usado para verificar a integridade do ligamento calcaneofibular.

Diagnóstico Diferencial de Entorse de Tornozelo

Algumas condições podem simular ou ocorrer em conjunto com uma entorse de tornozelo. Diferenciar essas lesões é crucial para evitar diagnósticos incorretos e tratamentos inadequados:

  1. Fratura de Tornozelo ou Pé: Algumas fraturas podem apresentar sintomas similares, como dor e inchaço. Fraturas de maléolos, da base do quinto metatarso e do navicular devem ser consideradas.
  2. Lesão Osteocondral do Tálus: Uma lesão na cartilagem do tálus pode causar dor persistente e inchaço no tornozelo, especialmente se a lesão tiver sido causada por um trauma.
  3. Ruptura do Tendão de Aquiles: Pode ser confundida com uma entorse, especialmente se houver dor difusa no tornozelo. No entanto, um teste de Thompson (compressão da panturrilha) pode auxiliar na diferenciação.
  4. Tendinite Fibular: Inflamação nos tendões dos músculos fibulares pode simular uma entorse, causando dor e edema no lado lateral do tornozelo.
  5. Síndrome do Impacto Anterior ou Posterior do Tornozelo: Essas condições causam dor crônica devido a um pinçamento na parte anterior ou posterior do tornozelo e podem ocorrer após repetidas entorses.

Quando Realizar Radiografia? Regras de Ottawa (Ottawa Ankle Rules)

Nem toda entorse de tornozelo requer radiografia. As Regras de Ottawa para Tornozelo (Ottawa Ankle Rules) ajudam a determinar quando é necessário prosseguir com a investigação radiográfica para descartar fraturas:

  1. Dor óssea ao longo do bordo posterior ou ponta do maléolo lateral ou medial.
  2. Incapacidade de apoiar o peso sobre o tornozelo imediatamente após a lesão e no momento do exame (pelo menos quatro passos).
  3. Sensibilidade óssea no navicular (lado medial do pé) ou na base do quinto metatarso (lado lateral).

Essas diretrizes são amplamente usadas para reduzir o número de radiografias desnecessárias e orientar uma abordagem mais específica para cada caso.

Incidências Radiográficas do Tornozelo: AP, Perfil e Mortise

Quando indicado pela avaliação clínica, as radiografias do tornozelo são essenciais para a análise estrutural e exclusão de fraturas associadas. As principais incidências radiográficas utilizadas são Anteroposterior (AP), Perfil e Mortise.

  1. Incidência AP: Esta vista permite avaliar o alinhamento entre os ossos da articulação tibiofibular, tibiotalar (entre a tíbia e o tálus) e identificar possíveis fraturas nos maléolos, lesões da sindesmose tíbiofibular ou luxação do tornozelo.
  2. Perfil (Lateral): A vista lateral é usada para verificar o posicionamento do tálus em relação à tíbia e observar a articulação talocrural de maneira completa.
  3. Incidência Mortise: Realizada com o pé em rotação interna de aproximadamente 15-20 graus.

Quando Realizar a Ressonância Magnética?

A ressonância magnética (RM) é recomendada quando há suspeita de lesões mais complexas que não podem ser confirmadas apenas com exame clínico ou radiografias simples. Algumas situações em que a RM é indicada incluem:

  • Persistência dos Sintomas: Se o paciente apresenta dor e inchaço persistentes após quatro a seis semanas de tratamento conservador, a RM pode ser necessária para investigar lesões ligamentares ou tendíneas mais graves.
  • Suspeita de Lesão Osteocondral: Em casos de dor persistente no tornozelo após uma entorse, a RM permite identificar possíveis lesões na cartilagem ou osso subjacente.
  • Instabilidade Crônica: Pacientes com histórico de entorses frequentes ou instabilidade no tornozelo podem apresentar lesões ligamentares crônicas que só são visíveis com a RM.
  • Complicações Tendíneas ou Síndrome do Impacto: A RM é útil para diferenciar lesões nos tendões peroneais ou para detectar pinçamentos anteriores e posteriores no tornozelo.

Case courtesy of Vinay Shah, Radiopaedia.org. From the case rID: 20162

Tratamento e Recuperação da Entorse de Tornozelo

O tratamento inicial para a entorse de tornozelo inclui o método RICE – repouso, gelo, compressão e elevação –, que ajuda a controlar o inchaço e a dor nas primeiras 48 a 72 horas. Após esse período, o foco muda para o fortalecimento e estabilização do tornozelo, principalmente com o suporte da fisioterapia.

Importância da Fisioterapia na Recuperação

A fisioterapia é essencial para promover o retorno à funcionalidade e prevenir lesões futuras. Os principais métodos incluem:

  1. Ganho de Propriocepção: A propriocepção é a capacidade do corpo de perceber a posição e o movimento das articulações. Após uma entorse, o treinamento proprioceptivo com exercícios de equilíbrio e estabilidade ajuda a melhorar o controle da articulação e reduzir o risco de nova lesão.
  2. Analgésicos e Antiinflamatórios: Na fisioterapia, recursos como o uso de eletroterapia, laser e terapia de ultrassom podem ser empregados para reduzir a dor e acelerar a recuperação.
  3. TENS (Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea): O TENS é utilizado para analgesia. Ele funciona enviando impulsos elétricos de baixa intensidade que estimulam o sistema nervoso, ajudando a reduzir a dor local e o inchaço.
  4. Fortalecimento Muscular e Alongamento: Exercícios específicos de fortalecimento dos músculos ao redor do tornozelo são essenciais para melhorar a estabilidade e prevenir novas lesões. O alongamento dos músculos da panturrilha e do tendão de Aquiles também é importante para restaurar a amplitude de movimento.
  5. Exercícios com Faixa de Resistência e Balanço: O uso de faixas elásticas e exercícios em superfícies instáveis, como bosu ou almofadas de equilíbrio, melhora a força e a resposta motora, fundamentais para o retorno às atividades.

Conclusão

A entorse de tornozelo é uma lesão comum, mas que requer atenção adequada para evitar complicações a longo prazo. A compreensão da anatomia dos ligamentos, o exame clínico preciso e o uso das Regras de Ottawa para indicação de radiografia são passos fundamentais no diagnóstico. O tratamento fisioterapêutico, com foco em fortalecimento e propriocepção, é essencial para garantir uma recuperação completa e segura.

Deixe um comentário